Podíamos começar por enumerar os imensos benefícios que o consumo de vinho – não será preciso dizer moderado – traz à saúde. Podíamos depois explorar os benefícios económicos que aporta à sociedade, nomeadamente portuguesa, onde o setor continua a crescer, em muito potenciado pelo crescimento do turismo. Mas não. Falemos dos benéficos que o (bem) estar à mesa nos traz. E são muitos.
“Comer é uma necessidade, mas comer de maneira inteligente é uma arte”, disse o escritor François de La Rochefoucau, do século XVII. E há muitas facetas dessa inteligência que beneficiam a saúde. Neste período de festas, milhões de mesas de jantar, cozinhas e restaurantes, acolhem familiares e amigos para, com mais ou menos religiosidade, festejar o Natal e a entrada no Novo Ano. E, juntamente com refeições deliciosas acompanhadas por vinho escolhido a preceito, há benefícios para a saúde apenas pelo simples facto de juntarmos ingredientes como família e amigos em torno de uma mesa de jantar. “São alimentos nutritivos para o coração e a mente e não os devemos, aliás, não os podemos, descuidar, muito mais agora nesta sociedade que parece caminhar para um individualismo mais acentuado”, explicou-nos o psicólogo Daniel Marinho.
Sim, geralmente quando pensamos nos benefícios que comer e beber traz à saúde, estamos a considerar sobretudo o que devemos – ou não – comer ou beber. Ou qual o valor nutritivo do que estamos a consumir. Ou até calcular a quantidade de sal ou açúcar que estamos a ingerir. No entanto, os especialistas concordam – alinhados com a perspetiva de que a experiência de comer e apreciar vinho é deliciosa e agradável – que reunir-se em torno de uma mesa de jantar traz benefícios de saúde física e mental de longo alcance. Para todos, independentemente da idade.
Embora fazer uma refeição em convívio não seja, de forma alguma, a única maneira de combater o stress, é muitas vezes apresentado como um dos aspetos que pode ajudar a manter um equilíbrio saudável entre vida pessoal e profissional.
À mesa, compartilhamos histórias, desenvolvemos relacionamentos, aprendemos com os erros e triunfos uns dos outros, criamos vínculos que nos definem enquanto indivíduos e integrados num coletivo, arquitetando as características do nosso bem-estar. “Esse tempo de convívio beneficia a plenitude dos aspetos do bem-estar – emocional, físico, social, ocupacional, espiritual, intelectual e mental -, que de uma maneira geral contribuem para a nossa qualidade de vida”.
Enquanto, para alguns, a hora das refeições é sagrada, nos últimos tempos, admitamos, o tempo para as refeições com a família e os amigos caiu para um número cada vez menor. As exigências dos horários conflituantes (longas horas de trabalho, atividades infantis e outras responsabilidades), tornou o ato de jantar juntos uma opção de luxo e estilo de vida. “E também, é verdade que são cada vez mais as pessoas que comem em frente ao computador, a ver televisão, o que acaba por constituir, consciente ou inconscientemente, uma fuga. Há estudos que mostram que as ‘mesas de jantar’, quando usadas para reunião, são grandes agentes para levar uma vida mais saudável”, gracejou Daniel Marinho.
Stress crónico
O fluxo crónico de hormonas de stress pode causar estragos nos nossos corpos, contribuindo mesmo para muitas das principais causas de morte, nomeadamente doenças cardíacas, certos tipos de cancro e até Alzheimer. O stress crónico pode ainda levar-nos a um caminho de ganho de peso e distúrbios do sono, que, por si só, podem afetar os quilos que ostentamos.
A boa notícia é que a “conversa à mesa” tem qualidades especiais que a diferenciam de quando conversamos por telefone ou participamos em reuniões. “O convívio fornece um momento em que podemos relaxar e nos unir. Portanto, se teve um dia desafiador no trabalho, se quer aumentar a dinâmica de um relacionamento importante, ou simplesmente está sem tempo suficiente para fazer o que realmente precisa, invista em ligar-se a família, amigos e colegas ao redor da mesa de jantar. Esta pode ser uma maneira crítica de o ajudar. E embora fazer uma refeição em convívio não seja, de forma alguma, a única maneira de combater o stress, é muitas vezes apresentado como um dos aspetos que pode ajudar a manter um equilíbrio saudável entre vida pessoal e profissional”.
Os portugueses preferem beber acompanhados – e raramente o fazem em solidão, pelo menos é a conclusão de um estudo da Universidade de Trás os Montes e a escola de gestão AESE sobre hábitos de consumo de vinho.
Cérebro e memória
Manter interações sociais é uma das opções de estilo de vida mais importantes que podemos ter – a par de sermos fisicamente ativos e comermos uma dieta equilibrada – se quisermos diminuir o risco de Alzheimer. Esta doença neura degenerativa crónica é a forma mais comum de demência, atingindo na Europa 7,3 milhões de pessoas. Segundo estimativas da Alzheimer Europe, em Portugal existem cerca 182.526 pessoas com esta demência. A questão é que face ao envelhecimento da população nos estados-membros da União Europeia os especialistas preveem uma duplicação destes valores em 2040 na Europa Ocidental, podendo atingir o triplo na Europa de Leste.
Não tendo cura ou medicamento para retardar a sua progressão ou tratar os sintomas, a maior arma neste momento é tomar medidas comprovadas para evitá-la.
Embora os pesquisadores não tenham certeza do que acontece no cérebro para produzir os efeitos positivos, parece que a interação social tem um impacto benéfico na memória e na função cognitiva à medida que as pessoas envelhecem. Algumas teorias sustentam que, à medida que envelhecemos, temos mais dificuldade em alternar entre sonhar acordado e focar a atenção em detalhes importantes. Portanto, quanto mais tempo o cérebro envelhecido passa mentalmente estimulado e socialmente envolvido com a família e os amigos, melhor.
Ao nos reunirmos à volta da mesa, vemos que existe um fio comum de temas que conecta todos e cada um de nós. Todas essas ocasiões se concentram em experiências humanas universais, como amor, tristeza, alegria, reverência, sucesso e sacrifício.
E embora seja importante alimentarmo-nos de maneira saudável, observando o quê e quanto consumimos, para “comer de maneira inteligente” é preciso entender os benefícios saudáveis de comer juntos.
À mesa, compartilhamos histórias, desenvolvemos relacionamentos, aprendemos com os erros e triunfos uns dos outros, criamos vínculos que nos definem enquanto indivíduos e integrados num coletivo, arquitetando as características do nosso bem-estar.
Portugal e o consumo do vinho à mesa
Em Portugal, parece estamos no bom caminho, nomeadamente no que ao consumo do vinho diz respeito. Isto porque os portugueses preferem beber acompanhados – e raramente o fazem em solidão, pelo menos é a conclusão de um estudo da Universidade de Trás os Montes e a escola de gestão AESE sobre hábitos de consumo de vinho. O trabalho confirma o hábito apaziguante de associarmos o ato de consumo de vinho à companhia, ou partilha, em oposição de fase à prática solitária e fraturante de beber sozinho – mais frequente noutras paragens.
Segundo o estudo da AESE, 53% diz nunca beber sozinho, mesmo à refeição, e 72,41%, nem fora dela. E, na vertente da partilha, o modo casal ocupa destacado a liderança – 24,83%. Os casais – 45% afirma beber em casal mais do que uma vez por semana – gostam de beber um bom vinho quando vão a um restaurante, um hábito cada vez mais frequente.
No inquérito, responderam pelo menos uma vez por mês, 35,86%, e mais do que 3 vezes por mês, 31,03%, uma a duas vezes por semana, 27,59%. Os amigos são a segunda grande instância de partilha, resultado consensual para todos. Mas não há bela sem senão, e a cerveja, talvez pelo boom recente de títulos experimentais e artesanais, começou a roer a quota indefetível do vinho enquanto bebida de convívio.
A disponibilidade financeira para comer fora de casa é mais do dobro – chega a 2,5 vezes -, em relação à versão doméstica. Impulso de consumo que todos sentimos mas talvez não soubéssemos que era tão acentuado só pelo facto de estarmos a almoçar ou jantar sentados a uma mesa que não a nossa.
O consumo e apetência de vinho já não é composto apenas pelo dueto Douro e Alentejo. Duas outras regiões – Dão e Península de Setúbal – povoam agora as preferências. As cinco regiões vinícolas preferidas foram: a do Douro (37,67%), a do Alentejo (27,05%), a do Dão (9,93%), da Península de Setúbal (6,85%) e por último, a região do Vinho Verde (5,82%).
“Se repararmos, o vinho tem vindo a conquistar cada vez mais espaço à mesa. Há grupos de pessoas que se juntam apenas com a única função de provarem um bom vinho. Se debaterem os seus gostos. E não estou propriamente a falar de experts na matéria. Mas este, o vinho, é realmente um tema que começa a ser transversal a cada vez mais faixas da sociedade”, explana Daniel Marinho.
Dicas para planear o tempo com a família e os amigos
Primeiro, “há que haver um claro compromisso de jantar em torno de uma mesa com aqueles que mais conforto lhe trazem”, diz Daniel Marinho. “E digo jantar porque é normalmente a refeição que associamos a um maior período de descontração. O ideal é tentar, no grupo – seja de família seja de amigos – agendar periodicamente estes encontros”.
Depois, o psicólogo aconselha a que se torne a preparação de refeições uma atividade em grupo. “Porque não estender esta experiência à ida ao mercado, à mercearia, à procura de receitas novas? Isso oferece uma oportunidade de vínculo e ajuda a aliviar a pressão de uma pessoa que normalmente fica encarregue de tudo!”. Além disso, saliente o profissional, para quem tem filhos, ensina-lhes inúmeras habilidades – como comprar alimentos, fazer escolhas saudáveis, planear e assumir responsabilidades – que podem trazer benefícios mais tarde ao longo de sua vida.
Embora os pesquisadores não tenham certeza do que acontece no cérebro para produzir os efeitos positivos, parece que a interação social tem um impacto benéfico na memória e na função cognitiva à medida que as pessoas envelhecem.
“Também pode ser interessante fazer planos para celebrar ocasiões especiais juntos – seja a primavera, uma conquista, boas notícias, qualquer coisa pode servir de ‘desculpa’”.
Planear com antecedência é fundamental, insistindo Daniel Marinho na regularidade. “A primeira quinta-feira (ou quarta-feira ou domingo à noite, tanto faz!) de cada mês em que todos se possam afastar de sua agitada agenda e esperam reuni-se para tomar um café ou comer juntos. Já sabemos que alguns vão faltar, já sabemos que às vezes não vai ser possível acontecer. Mas insistam, tentem manter o compromisso vivo porque as recordações e as memórias desses encontros serão fundamentais para a saúde plena”.
Ou, como escrevia Byron no século XVIII, “desde que Eva comeu maçãs, muito depende do jantar”.