Ano Novo – Vinhas Velhas: Tesouros que contam histórias
Portugal, com a sua rica tradição vitivinícola, guarda um dos maiores tesouros do mundo dos vinhos: as vinhas velhas. Estas vinhas, muitas vezes com mais de 40, 60 ou até 100 anos, são testemunhos vivos da história e da cultura vinícola do país. Espalhadas de norte a sul, das encostas íngremes do Douro às planícies do Alentejo e até às ilhas, as vinhas velhas são verdadeiras joias da enologia, oferecendo características únicas aos vinhos que delas nascem.
Com tradições vitivinícolas centenárias, Portugal guarda um património único: as vinhas velhas, muitas delas com mais de 50 anos e algumas a ultrapassar o século. Mais do que testemunhos vivos de uma história rica, estas vinhas são a origem de vinhos que refletem a essência dos terroirs das diferentes regiões produtoras. Resilientes e únicas, carregam consigo segredos do passado e um enorme potencial para o futuro.

Definir o que é uma vinha velha varia de região para região. Em Monção e Melgaço, ou no Alentejo, uma vinha com 30 anos pode ser considerada velha, porque se valoriza o impacto do tempo na qualidade das uvas. No Douro ou no Dão, por outro lado, uma vinha dessa idade é apenas adulta. Contudo, o que distingue verdadeiramente estas vinhas é a sua capacidade de produzir uvas com concentração e complexidade incomparáveis. As raízes profundas destas videiras extraem nutrientes de camadas mais baixas do solo, conferindo aos vinhos uma mineralidade rara e distinta. Com o passar das décadas, as vinhas ajustam naturalmente o seu rendimento, produzindo menos uvas, mas de qualidade superior.
Outro fator marcante é a diversidade de castas nas vinhas velhas. Plantadas em tempos em que predominavam os field blends (mistura de castas na mesma parcela), estas vinhas oferecem uma riqueza genética que torna os vinhos complexos e únicos. Muitas delas são de sequeiro, não regadas, e verdadeiras sobreviventes, como se vê no Douro, onde resistiram à devastação causada pela filoxera no século XIX. A interação entre as raízes e os fungos micorrízicos presentes no solo potencia a absorção de nutrientes, fortalecendo a resistência das videiras a doenças e adversidades ambientais.

No Douro, as vinhas velhas são fundamentais na produção de Vinho do Porto, contribuindo para a longevidade e intensidade que definem os Portos mais prestigiados, como os Vintage. Preservar estas vinhas é também manter viva a diversidade genética e a herança cultural da viticultura portuguesa, assegurando um futuro com vinhos únicos e irrepetíveis.
A designação “Vinhas Velhas”
Até aos anos 80, as vinhas velhas eram muitas vezes vistas como inviáveis devido à baixa produtividade. Luís Pato marcou a história do vinho português em 1988 ao lançar o primeiro vinho com a designação “Vinhas Velhas” no rótulo. Desde então, este termo tornou-se sinónimo de qualidade e raridade. A partir da década de 90, assistimos a uma mudança de paradigma, com viticultores e enólogos a reconhecerem o valor enológico destas vinhas. Assim, “Vinhas Velhas” tornou-se uma marca de distinção nos rótulos, representando vinhos de exceção.
Os vinhos de vinhas velhas
Os vinhos produzidos a partir de vinhas velhas são reconhecidos pela sua estrutura, profundidade e longevidade. Nos tintos, isso traduz-se em taninos estruturados e sedosos, com camadas de fruta, especiarias e mineralidade que evoluem com o tempo. Nos brancos, encontramos acidez vibrante, notas de fruta madura e mineralidade, aliadas a uma textura marcante. Muitas vezes desafiam a ideia de que os brancos não envelhecem, mostrando elegância e potencial de guarda.
Hoje, os vinhos de vinhas velhas são procurados como pequenos “luxos”, reflexo da sua raridade e do custo elevado associado à produção, devido à menor produtividade e ao trabalho intensivo necessário.

Brancos e tintos em prova cega
Iniciámos o ano a celebrar o passado, mas de olhos postos no futuro. Organizámos uma prova cega exclusivamente com vinhos produzidos a partir de vinhas velhas, desafiando os produtores a apresentarem as suas melhores criações.
Foram provados 71 vinhos, entre brancos e tintos, provenientes de diversas regiões do país. Destes, 4 receberam o prémio “Paixão Pelo Vinho Prestígio” (pontuações de 19 e 19,5). São eles o Maçanita As Fontainhas Letra F 2022, um branco do Douro de frescura vibrante e mineralidade marcante; o Mamoré de Borba Vinhas de Sequeiro 2020, um tinto do Alentejo profundo e estruturado; e o Quinta da Gaivosa Vinha de Lordelo 2021, um tinto do Douro com equilíbrio notável entre concentração e elegância. Com “Paixão Pelo Vinho Excelência” foram distinguidos 18 vinhos (pontuações entre 18 e 18,5).
As regiões representadas na prova incluíram o Douro, Alentejo, Dão, Lisboa, Bairrada, Trás-os-Montes, Tejo, Vinhos Verdes e Península de Setúbal. O Douro dominou as classificações, reforçando o papel das vinhas velhas na produção de vinhos icónicos. O Alentejo destacou-se pela sofisticação dos seus tintos.
Os preços refletem a valorização deste património enológico. Os vinhos variaram de valores acessíveis, como Porta da Ravessa (9,90€), Casa de Paços (14€), Casa da Atela (17€), ao Mamoré de Borba (39,90€) ou o Laura (70€), até exemplares “de luxo”, como o CV Curriculum Vitae (100€) ou o Maçanita Pala Pinta (149€), o mais caro em prova. Este intervalo reflete não só a qualidade, mas também os custos elevados associados à produção. As vinhas velhas, com a sua menor produtividade e necessidade de cuidados intensivos, resultam em uvas de qualidade superior, mas implicam também um maior investimento por parte dos produtores. Estes fatores, aliados à raridade e ao potencial de envelhecimento dos vinhos, justificam a valorização no mercado.
Conheça todos os vinhos provados e avaliados na edição 97 da revista Paixão Pelo Vinho.

Presente e futuro: a necessidade de proteção
Como bem disse Dirk Niepoort, “as vinhas velhas são como bibliotecas vivas. Cada cepa conta uma história que é única e irrepetível.” Ao saborear um vinho de vinhas velhas, não estamos apenas a desfrutar de um produto excecional; estamos a honrar a história e o futuro da viticultura portuguesa. Estas vinhas são tesouros do passado que continuarão a moldar a identidade vinícola de Portugal, garantindo que as próximas gerações possam desfrutar de vinhos extraordinários.












