Brancos incríveis / PPV 77
e sedutores… para beber com prazer!
O tema de capa deste número da Paixão Pelo Vinho é dedicado aos vinhos brancos incríveis. Por isso desafiámos os vários produtores, independentemente da região onde trabalham, a enviarem os vinhos brancos que, no seu entender se enquadrassem neste designativo e nos impressionassem. Cada um fez a escolha que entendeu ser a melhor e o resultado está aqui. Descubra a nossa seleção nas páginas seguintes e acredite que vale a pena conhecer estes vinhos. São mesmo incríveis e imperdíveis!
Sem querer alimentar polémicas, vou começar por citar o meu amigo e conterrâneo Pedro Garcias que recentemente escreveu um artigo que tinha por título “ainda não somos um país de grandes vinhos brancos”. Como nem sempre estamos de acordo, eu tenho vontade de retorquir, dizendo que somos um país que ainda produz brancos incríveis, pois historicamente e antes da ascensão recente dos vinhos tintos nas preferências de consumo em Portugal, os vinhos brancos sempre foram mais valorizados – como me disse com conhecimento de causa o professor Virgílio Loureiro: “o branco da Quinta da Cale de 1964 foi o vinho mais fascinante que alguma vez bebi”, acrescentando eu que à data não existia um único tinto em Portugal que se lhe comparasse.
Aos que defendem peremptoriamente que “vinho é tinto e que branco nem vê-lo”, eu respondo que se considerarmos uma linha de tempo de consumo de vinho de mais de dois mil anos para o território a que hoje corresponde Portugal, sem ter em conta o período de ocupação muçulmana em que o consumo de vinho foi banido, o vinho tinto só se começou a beber com regularidade há menos de cinquenta e que os pais e avós desses defensores de verdades feitas bebiam sobretudo palhetes, reservando os brancos para dias de festa pois tal como hoje, os vinhos especiais eram guardados para os dias especiais.
Aos que juram que “bacalhau só com tinto!” eu respondo com um redondo não. Salvo raríssimas exceções que se aplicam a receitas muito específicas, bacalhau encontra sempre melhores maridagens com brancos do que com tintos. Na verdade, no contexto das harmonizações entre comidas e vinhos, os vinhos brancos são muito mais versáteis do que os vinhos tintos.
Em Portugal temos uma tradição de blends apoiada numa notável diversidade ampleográfica, que viabiliza que se façam grandes vinhos brancos em quase todas as regiões em função de uma seleção adequada de castas.
Então os vinhos brancos podem ser incríveis? Claro que sim, tal como muitos tintos, espumantes, rosés ou generosos – como disse o poeta e prémio Nobel polaco Czeslaw Milosz, “o verdadeiro inimigo do homem é a generalização”.
E porque é que não há vinhos brancos portugueses de nível mundial? Poderíamos encontrar inúmeras explicações e desculpas, mas se quisermos ser objectivos podemos olhar para as regiões de origem de grandes vinhos brancos como a Mosela a Alsácia, Tokaji, a Borgonha ou o Vale do Loire e a conclusão óbvia é a de que estes vinhos provêm de terroirs que não são propícios para vinhos tintos, ou dito de outra maneira, mesmo num contexto em que os mercados pediam mais vinhos tintos, os produtores não tiveram outra alternativa que não fosse continuar a produzir brancos por questões de clima e terroir. Assim foram repetindo e aperfeiçoando os gestos de geração em geração e conseguiram aproximar-se da perfeição. Podemos, pois, dizer que para atingir patamares de excelência na produção de vinhos é necessário conciliar ao mais alto nível um conjunto de fatores como experiência, conhecimento, especialização e incontornavelmente “terroir”.
A grande maioria dos vinhos brancos incríveis que provámos às cegas para esta edição da Paixão Pelo Vinho reúnem estes atributos. Se nos casos acima citados de regiões que produzem grandes brancos, estes são sobretudo monovarietais, em Portugal temos uma tradição de blends apoiada numa notável diversidade ampleográfica, que viabiliza que se façam grandes vinhos brancos em quase todas as regiões em função de uma seleção adequada de castas. Isto permite rebater o argumento de que “os brancos têm origem em terras frias e Portugal é um país de clima quente” e verificou-se isso mesmo nesta prova única em que descobrimos vinhos fresquíssimos de Lisboa, da Península de Setúbal, do Alentejo e até da Madeira. A magia dos “field blends”, vinhos oriundos de vinhas em que muitas castas estão plantadas em conjunto e assim são vinificadas, operou-se em alguns vinhos do Douro e do Dão que estão entre os melhor classificados nesta prova. Se seguirmos os critérios de classificação do meu outro amigo Aníbal Coutinho podemos concluir que nesta prova se destacaram sobretudo os vinhos brancos de montanha e os atlânticos e se tivermos em conta a nova maneira de provar enunciada no excelente livro “O Vinho Sentido” da autoria dos (meus) professores Manuel Malfeito Ferreira e Virgílio Loureiro, estes vinhos brancos para além de serem incríveis “fazem funcionar todo o sistema cerebral em simultâneo precisamente nas suas zonas mais evoluídas”.