Herdade de Pegos Claros: o centenário que respeita o passado e privilegia a qualidade
Os registos documentais mais antigos da Herdade de Pegos Claros, também conhecida como Sesmarias de Pegos Claros, datam de 1920. Ao longo de 100 anos de existência, o prestígio adquirido não esquece o passado e a herança deixada pelos antecessores. E mesmo neste ano atípico, os vinhos da marca têm vindo a surpreender.
No ano em que comemora o centenário, a pandemia poderia ter trocado as voltas ao negócio. Mas, pelo contrário, o negócio da Herdade de Pegos Claros surpreendeu. “Acrescentámos vendas de uma forma muito significativa, durante a pandemia. Os mercados nacionais e internacionais deram-nos esta resposta, o que foi o resultado de andarmos muitos anos a criar marca e a aumentar a perceção qualitativa com bons produtos”, explica o diretor-geral José Gomes Aires que tem vindo a explorar mercados internacionais e a fomentar o peso da exportação. “O mercado acabou por dar esta retribuição à marca confirmando a qualidade do nosso vinho”, garante. Mercados como Suíça, Alemanha, Luxemburgo, Macau, Irlanda e EUA, não só não deixaram de comprar como compraram mais. “Alguns deles passaram a consumir duas a três vezes acima do que era prática comum, o que foi uma excelente ajuda nesta fase da pandemia”, sublinha o responsável.
Apesar de terem a funcionalidade de venda online no site que foi criado recentemente, a opção durante a pandemia foi a de manter o espírito de solidariedade comercial abstendo-se de fazer vendas diretas e privilegiando os canais tradicionais. “Nós dependemos dos restaurantes e das garrafeiras e apesar de notarmos uma ligeira redução no mercado nacional, houve uma compensação nos mercados internacionais.” Nos meses de março e abril, o diretor-geral tinha o hábito de procurar semanalmente qual tinha sido o decréscimo das vendas e estava na expectativa de verificar quando é que iam descer. “Neste momento, posso adiantar que até agora, 2020 é o segundo melhor ano da nossa existência, o que, de alguma forma, é significativo. Temos sido privilegiados”, refere José Gomes Aires.
A trabalhar na gestão desta marca centenária desde há uma década, o diretor-geral considera que um dos aspetos mais diferenciadores se deve ao facto de a adega de Pegos Claros ainda ser tradicional e “única”, conferindo qualidade aos seis vinhos que compõem o portefólio. Foi então o momento de afinar conceitos e de virar de página. “Nós trabalhamos tudo em torno de Castelão que é a casta mais emblemática da denominação de origem onde nos inserimos geograficamente e para a qual produzimos todos os vinhos com certificação DOP Palmela. Uma das exigências dos vinhos tintos é que têm de ser constituídos, pelo menos, com 2/3 de uva Castelão e só assim é que eles podem ser aprovados”, refere o responsável.
Neste momento, posso adiantar que até agora, 2020 é o segundo melhor ano da nossa existência, o que é, de alguma forma, significativo. Temos sido privilegiados” – José Gomes Aires
Para assinalar a celebração do 100º aniversário, a marca criou uma renovação de imagem ao nível dos logotipos. Todas as gamas e representações da Herdade de Pegos Claros incluem símbolos a indicar “100 anos” nos rótulos. “Fizemos um ‘restyling’ da nossa imagem criando dois vinhos que são as nossas abordagens clássicas do Castelão e um deles é uma alusão ao centenário. Temos então o ‘Vinha 100 anos’ que é da zona das vinhas mais velhas e também o ‘Vinha 70 anos’ com um perfil diferente”, explica o diretor-geral. No passado mês de agosto, a marca lançou um novo vinho num evento online que resulta de um posicionamento relativamente inédito. “O Claro é um vinho com uma abordagem mais jovem e um pouco mais irreverente. É um vinho que vem dar resposta a novas tendências de consumo, é mais aberto na cor, com uma acidez, com menos complexidade, mais direto, mais frutado, muito fresco e com menos graduação alcoólica”, conta-nos José Gomes Aires.
Para o enólogo Bernardo Cabral, a tradição vitivinícola inédita de Pegos Claros confere um “grande valor a esta marca que tem sido sempre mais forte do que as circunstâncias vividas”, o que faz dela, resiliente e assente na qualidade da uva, o que permite, na sua opinião, produzir “vinhos indiscutíveis”.
HOMENAGEAR O LEGADO SECULAR
Localizada no concelho de Palmela, uma parte do limite de Pegos Claros coincide com a separação dos concelhos de Palmela e Montijo. Beneficiando de um clima mediterrânico com clara influência atlântica, característicos da Península de Setúbal, a herdade é essencialmente constituída por solos arenosos, numa área total de 535 hectares, ocupados por montado de sobro, pinhal manso, área de regadio e vinha. Quando chegou a Pegos Claros, Bernardo Cabral deparou-se com uma adega sem sofisticações ao nível de equipamentos e assim se manteve. “Vergámo-nos perante a grandiosidade do projeto em si e sentimos que só tendo um papel muito humilde é que conseguiríamos elevar o nome da Pegos Claros para um patamar mais alto do que alguma vez esteve. Tenho a sorte de já ter uma maturidade na enologia que me permitiu chegar à Herdade e perceber as potencialidades da adega em vez de sugerir equipar tudo tecnologicamente”, refere.
São sete as pessoas que compõem a equipa da Herdade de Pegos Claros de forma permanente. No entanto, existe também dependência de mão de obra local externa. Como as vinhas não são mecanizadas, são precisas 15 a 20 pessoas, em média, durante quatro a cinco meses do ano, que trabalham na fábrica e na altura da poda.
Num percurso que tem sido evolutivo, a produção coincide com o afeto que se tem por esta marca. “Uma casa com o nome de Pegos Claros começou a ser construída há muitos anos e não apenas quando nós entrámos na empresa. Somos os guardiões deste património que também sentimos como nosso neste momento”, defende o enólogo. José Gomes Aires acrescenta que é obrigação dos novos gestores “melhorar este património único que é válido por si. Somos agentes de passagem e temos a humildade suficiente para olhar para o passado e não atribuir o mérito a nós próprios.”
Honrando-se de manterem a consistência e solidez que a marca apresenta há muitos anos, o diretor-geral e o enólogo consideram que o facto de conseguirem manter as gamas num patamar de qualidade mais ou menos regular confere “grande confiança ao consumidor” que, sobretudo nesta fase de pandemia, está menos aberto “a novas experiências e opta por procurar referências mais sérias”, refere José Gomes Aires, acrescentando, no entanto, que esta é uma interpretação meramente pessoal.
Apesar de Pegos Claros ser um produtor exclusivo de Castelão, há uma outra particularidade que importa ser contada. “Na zona mais velha de Pegos Claros, existem 24 talhões com cerca de 1 hectare e, no meio destes, existiu um talhão de uma variedade que era uma tintureira e que sempre se achou que era Alicante Bouschet, porque é uma casta muito utilizada em Portugal embora a sua origem não seja nacional. Mas era uma zona tão velha porque nunca vinificávamos de forma isolada (geralmente, incorporava os nossos vinhos de topo de gama, os Grande Escolha). Mais tarde, concluiu-se que não era Alicante Bouschet mas Tinta de Pegões mas era algo, embora não fosse muito expressivo e que não era comunicado”, conta o diretor-geral.
Para o enólogo Bernardo Cabral, a tradição vitivinícola inédita de Pegos Claros confere um “grande valor a esta marca que tem sido sempre mais forte do que as circunstâncias vividas”, o que faz dela, resiliente e assente na qualidade da uva, o que permite, na sua opinião, produzir “vinhos indiscutíveis”.
Certo dia, houve interesse em tirar partido desta variedade nacional para tentar reproduzir e plantar uma área semelhante em dimensão àquela, mas com uma vinha nova e com menos falhas. “Fomos então surpreendidos quando testámos o material genético em laboratório pelo INAV e percebemos que era Tintinha que é uma variedade que não existe em Portugal. Curiosamente, o único banco genético oficial que existe em Portugal tem as cepas contaminadas com vírus e no meio das 600 cepas que existiam na nossa parcela, foi possível individualizar 13 cepas livres de vírus”, refere José Gomes Aires. Com uma abordagem progressiva, e por coincidência, foi possível produzir um vinho 100% Tintinha. O enólogo Bernardo Cabral refere que apesar de o Castelão ser muito procurado, não quiseram deixar de homenagear aquela casta, percebê-la e mostrá-la.
NOVAS PRODUÇÕES
A certa altura, o diretor-geral quis fazer algo diferente e depois de uma viagem realizada com Bernardo Cabral à procura de inspiração e de uma casta que tivesse proximidade e parentesco com Castelão, resolveram produzir uma quantidade de 1200 garrafas de um vinho que consideram “absolutamente incontornável”. Era lançado assim, em 2018, o Primo, o vinho mais caro de Pegos Claros. “Fizemos um vinho que tem 10% de Tintinha e 90% de Castelão. Os nossos vinhos Grande Escolha só são colocados no mercado, quatro anos depois de os fazermos”, explica. É um processo feito com calma e sem pressas para que o vinho “saia impecável para o mercado”. No caso de Primo, o estágio foi feito em barricas de 500 litros e colocado em garrafa em ambiente redutor durante algum tempo. “Este foi o primeiro vinho sem um rótulo redondo ao contrário de todas as nossas outras gamas e é também o nosso vinho mais caro”, refere José Gomes Aires.
Nesta herança secular, muitos têm sido os desafios e as histórias em torno do privilégio que é integrar o percurso desta produção que se perspetiva longa e que vai muito além da intervenção e presença dos atuais gestores. Com respeito pelo passado e olhos postos no futuro.
Pegos Claros Grande Escolha e Primo conquistam ‘Excelência’ e ‘Prestígio’ na Avaliação de vinhos
17,5 Pts
PEGOS CLAROS DOP PALMELA TINTO RESERVA 2015
CASTELÃO • 13,81% • 9€
De linda cor rubi intensa, aspeto limpo, revela um aroma rico e complexo, onde se destacam as notas frutadas, especialmente frutos vermelhos maduros, compota de amora, especiarias doces, um toque fresco, mentolado, cheio de classe. Na boca mostra-se bem estruturado, com bom corpo e volume, taninos macios mas ainda vivos, o estágio em barrica a deixar marcas de baunilha, notas de chá, vegetal seco, mantém a fruta e até um toque citrino, a acidez a conferir uma frescura que lhe dá personalidade, contribuindo para um final de boca persistente e sedutor.
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19 Pts + prémio PAIXÃO PELO VINHO PRESTÍGIO
PRIMO DOP PALMELA TINTO 2015
CASTELÃO (90 ANOS) E TINTINHA • 14,33% • 62€
Escuro, denso, com reflexos vermelhos. Impressionante, com belíssimos aromas, predominante em notas de frutos pretos e vermelhos maduros, cerejas, pretas, ameixas e mirtilos, nuances florais, vegetal seco, folha de chá e de tabaco, vai crescendo no copo, revelando uma frescura elegante conjugada com barrica de elevada qualidade. Na boca mantém o perfil, saboroso, tem forte caráter, tem taninos poderosos, mas já aveludados, excelente corpo e volume, acidez perfeita, a barrica muito bem integrada, deixa um final de boca prolongado e sofisticado. Grande vinho!
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18,5 Pts + prémio PAIXÃO PELO VINHO EXCELÊNCIA
PEGOS CLAROS DOP PALMELA TINTO GRANDE ESCOLHA 2016
CASTELÃO • 13,74% • 24€
De cor rubi intensa, tem aspeto limpo. Exuberante, é um vinho especial, que revela aromas puros de uma casta nobre muito bem conjugada com o estágio em barrica, que às notas frutadas, ameixa preta, amora, cereja e frutos vermelhos, junta as notas de especiarias, vegetal, balsâmico e um elegante apontamento floral. Muito sofisticado, é um vinho encorpado, com taninos finos, a excelente frescura a fazer destacar uma extraordinária concentração, seja fra fruta madura, como das notas resultantes do estágio em barrica. Deixa um final prolongado, poderoso e promissor de uma graciosa longevidade.
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Texto: Cláudia Pinto
Fotografias: Herdade de Pegos Claros
Prova: Maria Helena Duarte