Os irmãos André e Filipe Brás, proprietários da marca 100 Hectares, quiseram homenagear o seu pai e fizeram-no com um vinho de especial, disponibilizado numa embalagem a condizer, a evocar todo o seu amor pela família, mas também pelo Douro, pelas suas vinhas e pelo seu vinho. Luís de Miranda Brás, havia de se sentir orgulhoso, até porque também há uma edição comemorativa do 10 de junho, limitadíssima a 50 unidades!
Texto João Pereira Santos • Fotografias D. R.
O projeto 100 Hectares nasceu em 2009, na Régua, pelas mãos dos irmãos André e Filipe Brás, dois irmãos que cedo perceberam o que significa amar o Douro, a sua paisagem, as suas vinhas e mais tarde também os seus vinhos. Criados num seio familiar pleno de afetos e de sentimentos profundos, foi o pai, Luís de Miranda Brás, ourives de profissão, também viticultor e figura de referência para os dois irmãos, quem os levou a abraçar o trabalho na vinha e no vinho e daí fazerem vida. No entanto, tudo começou mais cedo, ainda na década de 70 do século passado, quando o avô, António Santos Cigarro, emigrante regressado do Brasil, começa a investir na compra e renovação de quintas e vinhas na sub-região do Baixo Corgo. A paixão pelo Douro foi passando de geração em geração e posteriormente coube a Luís assumir o legado familiar e abraçar, quase literalmente, as vinhas, que adquiriu na totalidade aos seus irmãos, ficando na posse de pouco mais de 100 hectares de terra, o que veio a ser utilizado para dar nome ao projeto.
As quintas estão distribuídas essencialmente pelo Baixo Corgo e Cima Corgo, de onde se destacam a Quinta de Nossa Senhora da Conceição, a Quinta da Marialva e a Quinta do Couraceiro. Durante vários anos as uvas produzidas eram vendidas a outros operadores da região, situação que veio a ser alterada com a produção de vinhos em nome próprio. Entretanto, as vinhas têm vindo a passar por processos de reestruturação, com o objetivo de assegurar a produção de uvas premium que o atual projeto 100 Hectares exige.
Numa região tão antiga e com tanta tradição como o Douro, onde quintas centenárias ombreiam com vinhas quase da mesma idade, o projeto 100 Hectares parece ainda estar a dar os primeiros passos. No entanto, nos dias de hoje o tempo corre mais depressa e o dinamismo de André e Filipe Brás tem feito a diferença. A marca 100 Hectares, em menos de 15 anos, afirmou-se como um produtor de referência no Douro e os seus vinhos, com assinatura do enólogo Nuno Felgar, constituem um valor seguro, sendo conhecidos, apreciados e respeitados por consumidores e apreciadores. As quintas da família são a origem dos seus vinhos, sendo que toda a produção é feita exclusivamente a partir de uvas provenientes das suas propriedades, algo que está no centro da filosofia de produção de André e Filipe. Desta forma, quem adquire e saboreia uma garrafa destes vinhos está também a abraçar um pouco da história e património da família. Entretanto, a partir de uma pequena adega já existente no concelho da Régua, foi também construída, a partir de um projeto do Arquiteto Francisco Seixas e Silva, uma bonita, moderna e funcional adega onde decorre toda a atividade produtiva da empresa, desde a receção das uvas, a vinificação, estágio, engarrafamento e armazenamento, possibilitando igualmente provas e visitas. Atualmente a marca produz cerca de 270.000 litros de vinho.
Um vinho único e irrepetível…
À medida que os anos foram passando tornou-se maior o conhecimento das vinhas e do seu potencial, bem como o entendimento, cumplicidade e empatia entre Nuno Felgar, o enólogo da casa, com André e Filipe Brás. Desse conhecimento e dessa relação foi surgindo a vontade de fazer algo mais ambicioso. Nuno Felgar confidencia-nos que, conhecedor da qualidade das uvas da casta Touriga Nacional que possuíam, algumas de clones muito antigos, lançou o desafio: “fazer um vinho único, especial, diferente do que tudo o que tinham até então”.
O falecimento prematuro do pai dos irmãos André e Filipe veio dar urgência àquilo que não passava de um projeto ainda sem data definida. O profundo amor, reconhecimento e admiração pelo pai, fê-los deitar mãos à obra para lhe prestar a homenagem mais que merecida. Foi naturalmente escolhida a casta Touriga Nacional, também porque “era aquela de que ele mais gostava”, diz-nos Filipe e o ano de 2019 apresentou qualidade à altura. Os esforços para fazer um grande vinho não foram poupados: foram selecionadas as melhores parcelas das melhores vinhas do produtor, jogando com a sua origem, colhidas no seu ponto ótimo de maturação; posteriormente foram criteriosamente escolhidas, quase bago a bago; vinificação cuidada com esmagamento e desengace total; fermentação e maceração cuidada em lagar aberto com temperatura controlada, tendo sido previamente retiradas as grainhas das uvas; para o estágio de 12 meses foram utilizadas apenas barricas de 500 litros de várias tanoarias francesas, para uma melhor integração da madeira no vinho.
Foram produzidas 2700 garrafas. O resultado, diz-nos Nuno Felgar, é “um vinho para vender agora e para vender daqui a dez anos, um vinho que vai ficar no tempo” e que “se torne uma referência na gama”. Acrescenta ainda: “fazer este vinho marcou-me bastante porque fugiu ao conceito até então definido e foi um enorme prazer e um gosto, até porque conhecia bem o senhor Luís”.
…uma imagem a condizer
Os cuidados que acompanharam a produção do vinho tiveram naturalmente que ser continuados na imagem e embalagem a ele associadas. Amigos próximos de Luís de Miranda Brás, a Professora Manuela Grazina da Universidade de Coimbra e António Rodrigues, proprietário do restaurante Rei dos Leitões, surgiram com a frase “nos teus passos criei asas e voei no teu amor” que serviu de mote a todo o projeto de conceção gráfica, a cargo do designer Miguel Freitas (Miguel Freitas Design Studio), que desde o início colabora com o produtor e mantém com ele uma relação de longa data. Diz-nos Miguel Freitas que “a abordagem a um projeto começa sempre com a seleção de um conjunto de músicas” e neste caso, a letra do tema Breathe, do álbum The Dark Side of The Moon dos Pink Floyd, quando evoca três palavras/conceitos: partir, voar e cuidar.
Começo por fazer referência à extrema elegância do rótulo, composto por duas folhas de papel sobrepostas, uma branca, outra a ouro, que representam “dois mundos, duas camadas distintas que se complementam, metaforicamente representando o mundo terreno e o espiritual, o físico e o etéreo”, conforme nos diz Miguel, em que o ouro significa o mundo terreno e faz referência à profissão de ourives do pai homenageado e o branco, continua o autor, “o etéreo, que se sobrepõe ao terreno, permite, através de aberturas quadrangulares esta passagem entre os dois mundos, entre memórias, tão presentes da figura Paterna no Filipe e no André”.
A composição visual envia-nos para um conceito de constelação, um céu ponteado por pequenas estrelas prateadas que reluzem num firmamento de alvura. Destaca-se uma folha de vinha que voa livremente, que se levanta da superfície do rótulo e se abre sobre um fundo dourado, numa alegoria perfeita da passagem entre dois mundos, do terreno e material para o etéreo e espiritual, ou, numa interpretação mais singela, a ascensão ao firmamento de Luís de Miranda Brás. A textura do papel, o equilíbrio da composição, o trabalho apurado e o acabamento pontuado com pequenos apontamentos brilhantes, transmite uma sensação de tranquilidade, leveza e paz, mesmo para quem não conhece o conceito por trás do trabalho. O contraste entre o fundo branco e os apontamentos dourados, que teimam em sobressair e se fazer notar, constituem um elemento adicional de sofisticação e refinamento que estabelece uma ponte para a perceção da essência do vinho contido na garrafa: único, especial, diferente.
Cada garrafa é disponibilizada numa embalagem também ela singular. Uma caixa retangular de madeira de cor natural com acabamento mate, levemente sedoso. A caixa abre-se pelo meio, através de um mecanismo simples de pressão, dividindo-se em duas partes iguais. A abraçar a caixa, uma cinta branca de cartão com as mesmas aberturas quadrangulares presentes no rótulo, representa a evocação do último abraço de um pai afetuoso aos seus dois filhos, abraço esse que os mantém unidos num forte sentimento familiar. A inscrição na cinta, em baixo relevo branco, da frase “nos teus passos criei asas” (que é completada na caixa de madeira com “…e voei no teu amor”) acentua o lado etéreo e metafórico que envolve todo o projeto e que o designer Miguel Freitas tão bem soube captar.
Sem dúvida um projeto concetual exemplar que, partindo do vinho elaborado sob uma forte componente emocional, se prolonga no rótulo e na embalagem, num todo lógico e harmonioso de grande sensibilidade e extremo bom gosto. Certamente que, esteja onde estiver, Luís de Miranda Brás, se sentirá orgulhoso.
/19/ PRÉMIO PAIXÃO PELO VINHO PRESTIGIO
100 HECTARES TOURIGA NACIONAL
GRANDE RESERVA TINTO 2019
DOC DOURO | 16,5%
Cor rubi fechada com laivos violeta e magenta. Aroma intenso, profundo e sedutor, ainda muito jovem, com fruta preta madura, especiaria, chocolate preto e tosta de barrica bem integrada. Na boca surge volumoso, harmonioso e profundo, com textura a envolver os taninos finos bem integrados. Muito rico e equilibrado com boa acidez a prenunciar longevidade e a compensar o teor alcoólico. Final austero, longo e persistente. Um grande vinho com muito futuro pela frente. JPS