A Adega 23 nasceu da paixão de uma médica oftalmologista que não teve medo de apostar na terra que a viu nascer e sem experiência enveredou por um projecto audaz no mundo dos vinhos.
Situada na Beira Interior, entre Sarnadas de Ródão e Castelo Branco, a Adega 23 é uma área em que as vinhas não abundam mas isso não demoveu Manuela Carmona de tentar produzir vinhos na região. Um sentimento de mudança e um gosto “pela forma como se faz vinho” e pela “cultura do vinho” que cresceu quando há alguns anos lhe ofereceram o Le Grand Larousse Du Vin. O livro despertou um interesse que já existia e deixou um “bichinho” que levou ao improvável projecto: uma médica produtora de vinhos no interior de Portugal.
A Adega 23
Quando a antiga presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, pensou em produzir vinhos a ideia era “recuperar vinhas velhas” pertencentes ao seu avô mas tal não era possível dado a sua “degradação”, explicou. O passo seguinte foi cultivar vinhas novas mas num espaço pequeno, cerca de 1 hectare mas depois de muita leitura e pesquisa, rapidamente percebeu que isso não era viável e que “a propriedade tinha de ter uma certa dimensão para dar resultados”. Foi assim que decidiu arrancar com um projeto de 12 hectares num local que tinha um armazém agrícola que dava para fazer uma adega. Como sempre teve também uma paixão pela arquitetura, a responsável decidiu transformá-lo em algo mais ousado e escolheu um projeto do atelier Rua, em que o edifício é “revestido de cortiça com uma estrutura de metal dourado que lhe confere uma modernidade e se destaca na paisagem”. Os dois materiais não foram escolhidos ao acaso já que “ajudam no isolamento térmico da temperatura da adega” porque Sarnadas de Ródão “é muito frio no inverno e muito quente no verão”.
O nome esse foi inspirado da autoestrada que atravessa a propriedade e a vinha, a A23, e quer “mostrar autenticidade e modernismo”. Além disso, como referiu a produtora, não é “incomum locais que são remodelados e ganham uma nova vida terem números no nome, como é o caso do famoso Pier 57”, em Nova Iorque.
Numa localização que não tem tradição de vinhas, com solos xistosos pobres e com temperaturas extremas, Manuela Carmona procurou ajuda para dar início à materialização do seu sonho
O enólogo e os vinhos
Numa localização que não tem tradição de vinhas, com solos xistosos pobres e com temperaturas extremas, Manuela Carmona procurou ajuda para dar início à materialização do seu sonho e para criar os vinhos escolheu “um enólogo com apurada sensibilidade ao terrior”, Rui Reguinga. Foi este experiente profissional que ditou a escolha das castas que é o grande responsável, a par da empresária, pelos vinhos produzidos: o Adega 23 Tinto, o Adega 23 Branco e o Adega 23 Rosé.
As castas de uvas brancas existentes são Verdelho, Arinto, Viognier e Síria, enquanto as tintas são Syrah, Alicante Bouschet, Touriga Nacional, Aragonez e Rufete sendo que estas duas últimas são também usadas no rosé. O enólogo escolheu castas que se dão bem no norte do Alentejo e duas mais ligadas à Beira, a Síria e Rufete. As vinhas estão distribuídas de forma quase equilibrada, havendo “um pouco mais de castas tintas do que brancas porque uma parte é usada no rosé”, esclareceu a responsável.
Foi graças à determinação de Manuela Carmona que, em 2017, a adega deu os seus primeiros “frutos”, que foram rotulados com a indicação ‘Primeira Colheita’. Com isto, a empresária quis dar “autenticidade e transparência” e “mostrar que vinhos de vinhas novas podiam ter muita qualidade”.
Sobre o futuro, a médica avançou à Paixão Pelo Vinho algumas novidades: “Este ano vamos lançar o primeiro espumante que já está em garrafa e mais para o fim do ano, vamos ter um vinho reserva que já está em barricas”.
Qualidade acima de tudo
A parceria entre Rui Reguinga e Manuela Carmona nasceu porque tinham uma pessoa conhecida em comum mas a compatibilidade não podia ser mais perfeita já que o objetivo da produtora era e é a “qualidade antes de qualquer outro parâmetro”. Assim, o enólogo “tinha de ser alguém que me desse segurança porque o objetivo não é fazer um vinho básico, mas sim o melhor vinho possível”, destacou. Ora a filosofia do experiente profissional é exatamente essa, conforme assumiu diversas vezes: “Acredito que qualquer casta no terroir ideal pode produzir grandes vinhos”.
Empreendedorismo para apoiar a região
O empreendedor projeto no interior do país não tem estado ausente de desafios e a sua mentora confessou que uma das tarefas mais difíceis tem sido encontrar as pessoas para as várias áreas. “Às vezes não é à primeira. Penso que para uma pessoa que não é da área foi mais difícil perceber quais eram as necessidades da adega”. Mas Manuela Carmona está otimista quanto ao ano que agora começou: “Sinto que este ano vai ser importante para dar estabilidade à adega já que vamos ter uma pessoa permanente”.
Além disso, referiu também que acredita que “esta está a ser uma iniciativa determinante para o desenvolvimento da região que costuma ser notícia nem sempre pelas melhores razões, por exemplo desertificação e envelhecimento”. A Adega 23 “está a trazer a Beira Interior para a imprensa com uma abordagem positiva, de juventude, modernidade e fez muito pela autoestima e para o desenvolvimento da região”, confessou.
Para isso tem contribuído o enoturismo. Visitas, provas de vinhos e da gastronomia local, vindimas e eventos culturais são algumas das ofertas. Segundo a empreendedora, “para quem bebe um vinho, o facto de conhecer o produtor e ir à adega ver como as coisas são feitas é muito importante” e faz “parte da autenticidade” que caracteriza e que a Adega 23 quer mostrar a Portugal e ao mundo.