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Taberna Ó Balcão • O sonho realizado de Rodrigo Castelo

A Taberna Ó Balcão, do chef Rodrigo Castelo, é uma referência no nosso panorama gastronómico. Uma cozinha baseada no produto e na tradição culinária ribatejana, que o irreverente chef, todos os dias reinventa. O seu instinto, curiosidade e invulgar mão para a cozinha, têm sido a base do seu sucesso, numa carreira que, podemos dizer, ainda está no início.

Conheci o chef Rodrigo Castelo há cerca de três anos, como júri no concurso “Tejo Gourmet”.  Nessa altura, ele e a sua Taberna, como carinhosamente se lhe referia, começavam a ser vistos como algo de muito sério e uma lufada de ar fresco na gastronomia ribatejana. No final recebi um convite seu para passar pela Taberna Ó Balcão, mas por um motivo ou outro a visita foi sendo adiada. Até agora.

A Taberna Ó Balcão fica em Santarém, num edifício de traça antiga, pintado de amarelo ocre, onde antes funcionava uma verdadeira taberna. O restaurante abriu portas em 2013, mas ainda hoje é comum alguém ali entrar à procura do antigo estabelecimento, dizem-nos. Tem capacidade para 40 pessoas, num estilo de taberna fina: mesas com tampos de mármore; cadeiras brancas antigas; paredes decoradas com fotografias e pinturas tauromáquicas (ou não estivéssemos no Ribatejo). Numa parede um balcão forrado de azulejos é encimado por uma parede coberta de pratos antigos. Noutra, uma janela rasgada deixa ver a cozinha e o trabalho lá dentro. Por cima, uma ardósia exibe o menu. Um conjunto de bom gosto onde, alguns elementos contemporâneos pontuam numa atmosfera tradicional.

Rodrigo Castelo sempre foi um apaixonado pela gastronomia. “Desde pequenino que tenho a paixão por cozinhar e a minha mãe diz-me que eu cozinho desde os oito anos”, diz.

Rodrigo Castelo sempre foi um apaixonado pela gastronomia. “Desde pequenino que tenho a paixão por cozinhar e a minha mãe diz-me que eu cozinho desde os oito anos”, diz. De resto, na sua família todos são apreciadores da boa mesa. Com os pais fazia viagens e férias atrás de bons restaurantes e ainda hoje é assim, com a mulher, também ela apaixonada pela gastronomia: “a nossa relação sempre foi muito em torno da mesa”, confidencia, ao que acrescenta “sou um eterno apaixonado pela gastronomia e pela minha mulher também”.

Aos 33 anos, após uma carreira profissional na indústria farmacêutica, Rodrigo Castelo, decidiu abrir o restaurante. “A primeira pessoa a empurrar-me e a dizer-me vai, força, porque isso sempre foi um sonho teu, foi a minha mulher”, diz com reconhecida gratidão. 

Autodidata, ao fim de quase sete anos, Rodrigo Castelo reconhece que “isto é um vício, uma paixão, quando se gosta desta maneira torna-se até perigoso, estou sempre em busca do prato perfeito, do melhor ingrediente, do melhor vinho. Aqui há uma entrega total, não há limites…”. A Taberna evoluiu muito, fruto da sua paixão pela cozinha, de querer ser sempre melhor e também do que foi aprendendo com os seus pares com quem teve oportunidade de cozinhar. “Eu tinha muita sede de aprender e perguntava-lhes descaradamente como é que se fazia isto ou aquilo”, declara. Apesar do sucesso, Rodrigo Castelo não tem pejo em falar dos constrangimentos: “…mais de metade do restaurante é do estado…podes escrever isto… e deves”, diz em tom de desafio, quando se refere ao peso dos impostos e contribuições que o afligem, mais ainda por o restaurante se situar numa pequena cidade como Santarém.

Um almoço na Taberna Ó Balcão

“A nossa cozinha é uma cozinha tradicional Ribatejana, de inspiração local, muito baseada no produto”, diz-nos Rodrigo Castelo. A ementa está dividida em couvert, sopa, “à mão”, saladas, “para picar”, “do nosso forno a carvão”, arroz da lezíria, “fique nas nossas mãos” (menus de degustação com sete e onze momentos), acompanhamentos, sobremesas e “a nossa queijaria e charcutaria”, num total de 50 opções (é obra). Um sólido repertório gastronómico de inspiração regional, que incorpora outros produtos e formas de cozinhar e reinterpreta pratos e receitas. Para o chef, o produto é essencial, e a sua cozinha mostra uma procura pelos sabores da sua memória. Para isso fala com o agricultor, o pescador, ou com os anciãos que conhecem profundamente aquilo que o campo e a lezíria dão. Explora produtos como o peixe e o marisco do rio, o Porco Malhado de Alcobaça ou os fumados que, em parceria com a Escola Superior Agrária de Santarém, está a desenvolver. A carta de vinhos é ampla e bem organizada, com indicação do ano de colheita e das castas, baseada em vinhos do Tejo, mas também com “vinhos de Portugal” e do mundo e uma oferta generosa de vinhos a copo. O serviço é profissional e atencioso.

O rigor e a criatividade do chef estiveram bem presentes ao longo dos pratos servidos, que nos surpreendem numa catadupa de sabores, aromas e texturas.

Foi-nos servido o menu de degustação de 11 momentos e a descrição dessa memorável refeição daria para outro texto. O rigor e a criatividade do chef estiveram bem presentes ao longo dos pratos servidos, que nos surpreendem numa catadupa de sabores, aromas e texturas. Desde os fumados, o “cone coscorão do rio até ao mar”, com fataça, atum e caviar de ovas de barbo, a filhós de escabeche de coelho, a sopa de peixe do rio com lúcio-perca com nove meses de cura, a fataça de meia cura, o cremoso de caranguejo com lagostim do rio, os pezinhos de coentrada, numa inusitada versão com óleo de coentros e molho holandês, o cabrito da serra, o lombo de Malhado maturado, a “falsa cabidela de enguias”, sem o sangue das mesmas; ou os doces “nem tudo é limão” com um topo de raspas de queijo de cabra com 10 anos de cura e o “café das velhas”, com rabanadas, gelado de café e pó desidratado de azeitonas (sem sabor) a fazer de borras. Uma cozinha de autor e sabor, autêntica, que respeita os produtos da terra e os trata com amor, que dificilmente nos sairá da memória.

Rodrigo Castelo tem tido um vasto reconhecimento público e ganho vários prémios e distinções, nomeadamente, o ‘Bib Gourmand’ no Guia Michelin 2020. Sobre isso, o chef diz-nos que “é bastante gratificante ver o nosso trabalho e dedicação serem reconhecidos, desta vez por um guia internacional”. Quando lhe perguntamos se as estrelas Michelin o tentam, responde tranquilamente: “Não escondo que gostava de um dia alcançar a estrela, no entanto não vivo obcecado com isso, vivo sim, todos os dias a pensar em ser melhor que o dia anterior”.  

> texto João Pereira Santos > fotografia Ernesto Fonseca

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